Série Mulheres Árabes | # 30 Layali Alawad

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* Este artigo é uma tradução livre da publicação feita no Creative Havens: Syrian Artists and Their Studios. Para acessar a publicação original, em inglês, clique aqui. (Fotos por: http://www.thomas-langens.de/)

Layali Alawad é uma jovem artista síria, formada em Técnicas Gráficas e Impressão pela faculdade de Belas Artes da Universidade de Damasco. Nascida em Aachen, na Alemanha, mudou-se com sua família para Damasco e, depois de alguns anos, voltou à Aachen, onde vive atualmente.

Creative Havens – Qual é a sua relação com o seu estúdio? O que ele representa para você? Como você se sente quando está lá?

LA – Enquanto o estúdio do artista é necessariamente um espaço no qual ele pode trabalhar e pensar, é também o seu próprio paraíso criativo. Para mim, meu estúdio é como um microcosmo próprio, aqui há outras regras, outras condições, outras prioridades.

As pessoas podem pensar que ele [o estúdio] é desorganizado ou mesmo confuso, mas eu vejo essa desorganização como um compromisso bastante dinâmico, gradual e progressivo: toda mudança significa desorganização do velho e organização do novo.

Assim, no meu pequeno estúdio de arte, um pequeno caos é a evidência da criatividade. Conta a história das lições aprendidas na exploração, da experiência adquirida e das emoções expressas.

CH – O layout, a organização e a localização do seu estúdio têm influência na criação das suas obras? Que papel esse espaço, tempo e solidão têm em seu trabalho?

LA – No passado, como eu ainda estava vivendo na Síria meu estúdio de arte foi fixado no porão da minha casa. Para mim, esta era obviamente uma situação ideal, já que meu estúdio era também o lugar onde eu estava acostumado a receber meus amigos e ensinar aulas particulares de arte para as crianças.

Hoje, já que estou vivendo na Alemanha, meu estúdio funciona como uma sala de estar. Pode ser um estúdio menos espaçoso e confortável do que aquele que eu tinha na Síria, mas como agora sou capaz de experimentar uma sensação de segurança, privacidade e liberdade na minha arte, não posso pensar em alternativa melhor neste momento.

CH – Você ouve música em seu estúdio? Você trabalha melhor com alguma música tocando ou necessita de silêncio completo quando está em seu ápice criativo?

LA – Eu sempre ouço música enquanto trabalho. A música deixa minha mente livre de distrações e torna meu fluxo de trabalho muito mais suave. Acredito que a música se torna parte da minha obra de arte; isso me ajuda a expressar minhas emoções e traduzir meus sentimentos em linhas e cores mais fáceis. Pessoalmente, eu realmente prefiro música oriental.

CH – Quais são suas práticas artísticas e seu processo de trabalho? Você planeja?

LA – Basicamente eu sempre planejo e desenhe esboços pequenos em fases anteriores, mas assim que eu começo com o processo de pintura, eu acedo para um mundo novo. Eu esqueço tudo sobre meus esboços e meu planejamento e eu crio um tipo completamente diferente de arte.

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CH – Sobre o que é a sua arte?

LA – Para mim, [a] arte é toda sobre emoções e é uma forma de nutrição da consciência e do espírito. Em cada pintura está toda uma vida presa, toda uma vida de medos, dúvidas, esperanças e alegrias. Assim, especialmente agora, durante a guerra furiosa, traduzir esses diferentes níveis emocionais e espirituais em seu trabalho é a vocação de um artista, e harmonizar o todo é tarefa de arte.

Eu gostaria de ser capaz de testemunhar no meu trabalho o que os diferentes seres humanos são obrigados a percorrer durante tempos de guerra. Estou feliz por minha arte tocar pessoas, como eu tento expressar tristeza humana sobre os rostos que eu pinto.

CH – Ser artista é um trabalho difícil. Você tem algumas dúvidas e grandes lutas/esforços?

LA – Nenhum artista nunca está completamente satisfeito com seu trabalho. [A] auto-dúvida é um pouco uma necessidade para um artista dar o melhor de seu talento e desenvolver suas habilidades. Meu trabalho nunca é tão bom como eu imaginei que seria. Eu sempre vou gostar de algumas obras mais do que outras, mas acho que evitar a auto-dúvida e luta é apenas uma miragem que iria me impedir de seguir em frente.

CH – Você alguma vez se arrependeu de ter se tornado artista? De onde sua energia vem?

LA – Eu nunca lamentarei ser um artista! A arte é vida para mim. Eu nem consigo me imaginar sem pinturas e cores ao meu redor. A energia criativa está aqui em mim constantemente, mas o entusiasmo e o grau de energia dependem de toda uma gama de influências internas e externas, como por exemplo, as minhas condições psicológicas e, por vezes, o tempo.

CH – O que te inspira?

LA – Os seres humanos e a sociedade são a minha inspiração. Qualquer emoção humana ou situações de vida pode ser uma fonte para a minha arte.

CH – Quanta satisfação você recebe em resposta ao seu trabalho?

LA – Eu me sinto satisfeita o suficiente com o meu trabalho, mas ainda desejo manter o foco e continuar progredindo.

A satisfação é uma recompensa, mas a perfeição é uma ilusão. Eu penso em cada obra que eu crio como um degrau em uma jornada muito mais longa. Eu nunca vou chegar ao próximo estágio de desenvolvimento como um artista, a menos que eu esteja disposta a deixar uma obra de arte de lado e passar para a próxima.

Em algum momento, eu tenho que deixá-la ir e seguir em frente. Eu tenho que aceitar o fato de que mesmo os maiores autores, compositores, músicos e artistas ainda estavam insatisfeitos com suas obras-primas de alguma forma.

CH – O conflito na Síria, que está acontecendo há alguns anos, teve um impacto sobre o elemento central da sua arte? O que mudou?

LA – Obviamente. Antes de ser uma artista, eu sou um ser humano. A maioria das minhas obras de arte foram criadas no meio da guerra. Se a minha arte está cheia de profunda tristeza, é porque expressa o sofrimento do meu povo.

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CH – Se você está vivendo fora da Síria, o lugar em que você está vivendo mudou sua arte?

LA – Atualmente, eu vivo na Alemanha. Obviamente, o ambiente e a sociedade, em que vivo agora, desempenham um papel importante no meu humor artístico.

Posso ver uma clara diferença no meu trabalho. Minhas pinturas na Síria tinham as marcas dos valores e tradições da família, já que na sociedade oriental a família é uma entidade muito predominante. Na Síria, estávamos acostumados a estar rodeados por muitas pessoas, o que às vezes era até mesmo difícil de lidar, e nos dava poucas chances de nos sentirmos independentes.

Enquanto na Alemanha há uma espécie de individualismo básico e independência que me inspirou na minha arte. Meu último trabalho é intitulado “Ícones Sírios”, mas paradoxalmente é inspirado pela independência dos europeus e seu modo de vida individual.

CH – Quais são as suas esperanças e sonhos para si mesmo como artista e, especialmente, como uma artista síria?

LA – Minha esperança como ser humano é que a guerra chegue ao fim e as pessoas deixem de sofrer. Meu desejo como artista é ver minha arte alcançar o coração das pessoas em toda parte e ser reconhecida internacionalmente.

Meu sonho como síria é que a sociedade árabe entenda e aprecie a importância da arte em nosso mundo, que reconheça seu verdadeiro valor e comece a introduzir a educação artística como parte integrante do sistema educacional escolar.


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 29 Lina Shadid

* Este artigo é uma tradução livre da publicação feita no Creative Havens: Syrian Artists and Their Studios. Para acessar a publicação original, em inglês, clique aqui.

Lina Shadid é uma pintora impressionista síria. Fascinada pela natureza e luz, a artista tenta capturar um senso de humor etéreo e espiritual em suas pinturas. Atualmente, ela vive em Nova York, EUA.

Creative Havens – Qual é a sua relação com o seu estúdio? O que ele representa para você? Como você se sente quando está lá?

Lina Shadid – Minha relação com meu estúdio é possivelmente a mais bela que já experimentei. Eu trabalho lá diariamente de dia ou de noite, com entusiasmo e com toda a minha alma. A sensação de escapar do mundo mundano [sic] onde estou livre de todas as minhas dores é indescritível. Com o início de cada nova história, deixo-me surpreender por onde me levará a jornada da criação, sem saber realmente em que direção tomará.

CH – O layout, a organização e a localização do seu estúdio têm influência na criação das suas obras? Que papel esse espaço, tempo e solidão têm em seu trabalho?

LS – Enquanto trabalho no meu estúdio, meu humor varia entre ordem e desordem. Desordem é geralmente a atmosfera necessária para criar obras de arte originais, mas às vezes eu preciso organizar meu espaço, a fim de monitorar melhor os resultados. A coisa mais linda para mim é que meu estúdio é também o lugar onde eu moro. Assim que eu sinto o desejo de criar, desço para o porão da minha casa e começo a trabalhar. As coisas transbordam. Esta liberdade de criar é essencial para mim e, obviamente, a solidão é necessária desde o início até o fim. Algumas noites eu acabo ficando até o amanhecer sem obstáculos ao meu desejo de criação. Eu mesmo não sinto os efeitos do tempo passando.

CH – Você ouve música enquanto está trabalhando?

LS – Eu nunca posso começar a pintar sem ouvir a minha música favorita: música clássica em geral e, particularmente, Chopin e Tchaikovsky. Vibrar com a música leva minha mente para o reino da criação artística e eu, por sua vez, deixo meu pincel dançar através da tela. Às vezes eu escuto Oum Khalthoum, Abdel Halim Hafez ou Najat. Apesar de sua beleza, essas melodias árabes despertam tristeza em mim.

CH – Quais são suas práticas artísticas e seu processo de trabalho? Você planeja?

LS – É muito raro que eu esteja planejando uma pintura. Normalmente, eu simplesmente começo a pintar sem saber aonde vou chegar.

CH – Sobre o que é a sua arte?

LS – Minha arte é sobre a beleza da natureza e da luz, sob a forma de uma mulher ou uma mãe que espontaneamente e perpetuamente dá o seu amor. Gosto de humanizar a natureza e sua beleza que nem sempre somos capazes de ver. Em minhas pinturas estou tentando dizer palavras de amor e deixar a natureza contar sua própria história.

CH – Ser artista é um trabalho difícil. Você tem algumas dúvidas e grandes lutas/esforços?

LS – Isso era verdade no passado. Hoje eu sou capaz de superar essas lutas e dúvidas e continuar trabalhando. O único desejo que tenho é criar mais e mais.

CH – Você alguma vez se arrependeu de ter se tornado artista? De onde sua energia vem?

LS – Eu me sinto muito feliz com o que estou fazendo hoje em dia, embora nunca tenha planejado me tornar uma artista profissional no sentido materialista. Quando me sinto triste, minha atividade artística aumenta e eu vou mais rápido para terminar uma pintura. É como se eu estivesse acelerando a liberação das emoções.

Cada vez que eu vejo uma foto do meu pai ouço o sussurro vindo de longe: “Eu lhe disse uma vez que você se tornaria uma artista, certo?” Meu pai é a razão de por que estou criando, sua crença em mim e seu encorajamento são a minha principal motivação e, em seguida, vem o meu amor à natureza e à luz, que eu estou feliz em traduzir em minhas obras de arte. Minha maior felicidade vem das pessoas que amam meu trabalho e querem tê-lo.

A palavra “artista” tem sido o meu sonho desde a minha infância, e agora estou me perguntando: Eu sou uma artista? Eu sei que eu tenho que me tornar mais e mais (também para provar para mim mais e mais).

CH – Quanta satisfação você recebe em resposta ao seu trabalho?

LS – Eu estou constantemente me esforçando para fazer melhor, mas a minha satisfação sobre o meu trabalho está se tornando mais profunda dia após dia.

CH – O conflito na Síria, que está acontecendo há alguns anos, teve um impacto sobre o elemento central da sua arte? O que mudou?

LS – A Síria é a maior dor e a mais profunda tristeza do meu coração. Na arte, há uma grande diferença de percepção entre as culturas. Os artistas são mais valorizados na cultura ocidental, e desde que cheguei aos EUA eu poderia ir mais longe com meu trabalho e ver mais valor na minha criação.

CH – Se você está vivendo fora da Síria, o lugar em que você está vivendo mudou sua arte?

LS – Apesar da distância da minha pátria, minha presença aqui na América, onde eu estou vivendo, aumentou minha fé em minha arte.

CH – O que te inspira?

LS – Natureza, luz e amor me inspiram.

CH – Quais são as suas esperanças e sonhos para si mesmo como artista e, especialmente, como uma artista síria?

LS – Espero ter exposições em todos os Estados Unidos e em muitos outros países, e eu sonho em ter minha própria galeria onde eu possa mostrar a criatividade de artistas sírios e outros artistas de todo o mundo. Enquanto isso, o meu maior sonho é ver a paz voltando ao meu adorado país Síria.


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 28 Eman Nawaya

* Este artigo é uma tradução livre da publicação feita no Creative Havens: Syrian Artists and Their Studios. Para acessar a publicação original, em inglês, clique aqui.

Eman Nawaya é uma artista visual com Licenciatura em Belas Artes. Nascida na Arábia Saudita, ela é uma cidadã síria e atualmente reside no Líbano.

Creative Havens – Qual é a sua relação com o seu estúdio? O que ele representa para você? Como você se sente quando está lá?

Eman Nawaya – Meu estúdio é o lugar para minha renovação diária, minhas atividades intelectuais e artísticas. Cada novo dia passado dentro do meu estúdio é como um sentimento pulsante de verdadeira vida; dentro dele eu posso viver todas as estações de uma vez.

CH – O layout, a organização e a localização do seu estúdio têm influência na criação das suas obras? Que papel esse espaço, tempo e solidão têm em seu trabalho?

EN – Na verdade, é um tipo de mistura entre organização, que me dá a possibilidade de refletir e meditar, e desordem que cria em mim entusiasmo e energia. A distância do estúdio não me afeta; minha arte está ligada a este lugar, onde passo a maior parte do meu tempo e que desempenha o primeiro papel no teatro dos meus sentimentos.

CH – Você ouve música em seu estúdio? Você trabalha melhor com alguma música tocando ou necessita de silêncio completo quando está em seu ápice criativo?

EN – Adoro ouvir música enquanto estou pintando, pensando ou meditando. Acho que a música abre outra dimensão de vibrações psicológicas.

CH – Quais são suas práticas artísticas e seu processo de trabalho? Você planeja?

EN – Acredito que meu trabalho explora a expressividade e o processamento emocional, e também a liberação de minhas mãos e meus próprios sentimentos, deixando-os ir tão longe quanto eles estão dispostos a ir, até que a pintura tenha desenhado seu último suspiro.

CH – Sobre o que é a sua arte?

EN – Minha arte é sobre a essência original da criação da Mulher e do Homem no Universo.

CH – O que te inspira?

EN – A sociedade me inspira. Para mim, é uma fonte inesgotável de inspiração permanente.

CH – Ser artista é um trabalho difícil. Você tem algumas dúvidas e grandes lutas/esforços?

EN – Claro que às vezes um artista pode atravessar um período ruim cheio de pessimismo e dúvidas, mas o ímpeto criativo é mais forte do que as circunstâncias e maior do que o pessimismo; e, finalmente, a dúvida é um estado de espírito necessário para manter a alma se esforçando para a criação e evolução.

CH – Você alguma vez se arrependeu de ter se tornado artista? De onde sua energia vem?

EN – Eu nunca me senti assim, mas às vezes eu penso: E se eu não tivesse me tornado uma artista? O que eu faria então? No entanto, não há outra resposta senão: artista. A sociedade com todas as suas variações e complexidades é uma fonte diária de criação e ideias.

CH – Quanta satisfação você recebe em resposta ao seu trabalho?

EN – Cada dia em que sou capaz de criar um novo trabalho artístico é um dia abençoado, cheio de otimismo, e então a imaginação dá o próximo passo para projetos atuais e futuros.

CH – O conflito na Síria, que está acontecendo há alguns anos, teve um impacto sobre o elemento central da sua arte? O que mudou?

EN – Inevitavelmente as guerras afetam as pessoas, especialmente os artistas, seus processos de trabalho e sua arte em geral. O fluxo contínuo de eventos inspira a criação de modo a refletir as profundas mudanças cotidianas na sociedade síria.

CH – Se você está vivendo fora da Síria, o lugar em que você está vivendo mudou sua arte?

EN – A integração em um novo país que você escolhe determina toda uma gama de influências. Estar fora da Síria afetou minhas ideias e abriu minha mente sobre a importância do que um artista pode oferecer à sociedade de seu país de origem e ao de seu país transitório, e também sobre a associação entre a obra de arte e o artista.

CH – Quais são as suas esperanças e sonhos para si mesmo como artista e, especialmente, como uma artista síria?

EN – Eu sou uma artista síria, mas os sonhos e esperanças que tenho são os mesmos para mim, tanto como artista, tanto como um indivíduo sírio. Espero voltar em breve ao meu ateliê em Damasco, voltar a viver entre as canções dos pássaros e a voz de Fairouz, ouvir de novo os belos ruídos das ruas damascenas. Espero que minhas mãos continuem trabalhando e criando até exalar meu último suspiro.


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 27 Valia Abou Alfadel

* Este artigo é uma tradução livre da publicação feita no Creative Havens: Syrian Artists and Their Studios. Para acessar a publicação original, em inglês, clique aqui.

Valia Abou Alfadel é uma artista visual com formação em Belas Artes. Nascida em Damasco (Síria), ela atualmente reside em Dubai, Emirados Árabes Unidos.

Creative Havens – Qual é a sua relação com o seu estúdio? O que ele representa para você? Como você se sente quando está lá?

Valia Abou Alfadel – Cada pessoa tem uma mensagem e uma razão para estar neste mundo. Minha mensagem é Amor, uma espécie de missiva enviada à Humanidade. E para escrever uma palavra ou uma linha nesta missiva, tenho que estar em um lugar inspirador onde eu possa juntar todas as minhas memórias e esperanças … e este lugar é o meu estúdio.

O estúdio me ajuda a liberar minhas cores como para expressar muitas emoções, é meu próprio mundo especial onde minha alma descansa e encontra uma bela maneira de revelar meu verdadeiro eu.

Obviamente, minha presença em qualquer lugar expressando a beleza da Arte, como uma galeria ou estúdio de outro artista, pode me inspirar também, e me oferece sentimentos positivos e emoções.

CH – O layout, a organização e a localização do seu estúdio têm influência na criação das suas obras? Que papel esse espaço, tempo e solidão têm em seu trabalho?

VA – No meu estúdio há uma espécie de desordem organizada; geralmente estou organizada, mas quando começo a desenhar não me posso preocupar mais em cuidar da organização: adoro ver os meus lápis totalmente livres.

Meu estúdio atual é uma parte de minha casa particular. Eu tentei criá-lo perto de minha família, não só para mim, mas também para os membros da minha família, para ter um lugar para a contemplação e evasão. A maioria dos meus filhos e também o pai deles são artistas também, aqui estou entre eles, e enquanto isso eu posso reintegrar meu próprio mundo a qualquer hora que eu quiser.

CH – Você ouve música em seu estúdio? Você trabalha melhor com alguma música tocando ou necessita de silêncio completo quando está em seu ápice criativo?

VA – A música é uma parte de meus materiais, como meus lápis e as cores. Cada pintura obtém uma história musical que depende do tempo e meu estado de espírito quando a obra de arte foi realizada. A música é a minha companheira e a mensageira das minhas emoções para as minhas pinturas.

CH – Sobre o que é a sua arte?

VA – Como eu disse antes, o amor é a minha mensagem. Amor como um valor básico e instinto do ser humano antes da poluição das sociedades. É a verdadeira beleza e a prova da existência da vida. Quem pode parar na frente de uma de minhas pinturas pode sentir meu amor, e isto é o que minha mensagem é toda sobre.

CH – Ser artista é um trabalho difícil. Você tem algumas dúvidas e grandes lutas/esforços?

VA – Tenho muita sorte de que Deus me deu esse talento e esta capacidade de pintura que me leva a um estado de espírito calmo e pacífico.

CH – O que te inspira?

VA – Talvez essa tristeza profunda que aparece nos detalhes dos heróis da minha pintura. Eu não odeio essa tristeza; eu até gosto, porque qualquer expressão deve sair de uma ferida interna real para ser a base da criação.

CH – Você alguma vez se arrependeu de ter se tornado artista? De onde sua energia vem?

VA – Eu acho que um artista é mais sensível e influenciável do que as outras pessoas, embora essa qualidade possa conter uma dificuldade na vida cotidiana. Todas as circunstâncias empurram um artista para expressar suas emoções. Cada artista tem diferentes fontes de inspiração e criação, o meu é uma tristeza profunda, e no entanto estou feliz em expressá-lo na minha arte.

CH – Quanta satisfação você recebe em resposta ao seu trabalho?

VA – Nunca vejo um limite à minha ambição. Sinto-me sempre cheia de novas ideias e novos sentimentos para oferecer através da arte.

CH – O conflito na Síria, que está acontecendo há alguns anos, teve um impacto sobre o elemento central da sua arte? O que mudou?

VA – Síria, minha pátria e meu grande amor está vivendo questões tão dolorosas, e eu tento compartilhar essa dor, que também impacta involuntariamente minhas cores. Minhas últimas obras são chamadas “Damasco” e “Aleppo” e estão entre minhas melhores obras de arte, e entre as mais próximas à minha alma.

CH – Você está vivendo fora da Síria. Como o lugar onde você está vivendo mudou sua arte?

VA – Eu estou vivendo nos Emirados Árabes Unidos, é o meu segundo país, que é um belo [país] me dando energia para trabalhar e me tornar distinta. Mas a Síria continua a ser o lugar mais bonito na terra com a sua natureza maravilhosa. Um artista tem essa grande capacidade de integrar qualquer lugar que ele queira porque a criação é seu primeiro alvo.

CH – Quais são as suas esperanças e sonhos para si mesmo como artista e, especialmente, como uma artista síria?

VA – Não há limites para os meus sonhos. Espero que minha arte seja compreendida e que toque mais pessoas para atrair felicidade para suas almas. Espero que minha mensagem de Beleza e Amor seja liberada. O amor é emoção, nostalgia, cor, movimento… é uma purificação espiritual e uma razão para estar vivo, e a única maneira de fazer deste mundo um lugar melhor.


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 26 Yara Said

Yara Said. Foto: Khaled Youssef.

* Este artigo é uma tradução livre da publicação feita por Creative Havens: Syrian Artists and Their Studios. Para acessar a publicação original, em inglês, clique aqui.

Yara Said, uma jovem talentosa artista, que se formou na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Damasco. Atualmente reside na Holanda, como assistente social voluntária (expressão através da arte) da organização TESC, e também é voluntária de uma startup de cuidado aos refugiados. Nascida em Al-Suwaida, Síria, ela vive e trabalha em Amsterdã.

Creative Havens – Qual é a sua relação com o seu estúdio? O que ele representa para você? Como você se sente quando está lá?

Yara Said – Meu estúdio é minha casa. É o único lugar na terra onde me sinto real e produtivo, o único lugar onde posso ser cem por cento genuína. É um lugar onde posso me reunir com amigos e ter novas experiências. Um monge tem um templo, um artista um estúdio.

Foto: Khaled Youssef.

CH – O layout, a organização e a localização do seu estúdio têm influência na criação das suas obras? Que papel esse espaço, tempo e solidão têm em seu trabalho?

YS – Eu gosto que meu estúdio esteja pronto para o trabalho a qualquer momento. Ordem para mim significa apenas que eu seja capaz de encontrar minhas ferramentas facilmente! O caos criativo sempre foi minha coisa favorita na vida. Para mim é uma coisa muito importante ter o meu estúdio perto da minha casa. Eu acho que é o sonho de um artista ter acesso 24/7 ao estúdio e ser capaz de mergulhar no processo criativo sem restrições. E é isso que estou tentando fazer aqui agora.

CH – Você ouve música em seu estúdio? Você trabalha melhor com alguma música tocando ou necessita de silêncio completo quando está em seu ápice criativo?

YS – Música é minha vida. Nietzsche disse: “Sem música, a vida seria um erro”. Quando eu preciso me impulsionar, eu escuto música alta. Quando eu quero rememorar coisas sobre minha terra natal, um café da manhã escutando Fayrouz nunca deixa de trazer velhas boas lembranças piscando em minha mente. Se os seres humanos alguma vez fizeram descobertas valiosas e poderosas, então foi a música.

Foto: Khaled Youssef.

CH – Quais são suas práticas artísticas e seu processo de trabalho? Você planeja?

YS – Oh não, eu nunca planejo! Eu apenas vivo e vivo! E então, quando eu estou cheia de todas as emoções, de todas as coisas que ouvimos e vemos na TV, quando me sinto mais desesperada e não posso fazer nada para mudar o mundo, eu pinto usando jornais e materiais antigos.

Eu costumava escolher cores de tinta do jeito que eu escolhia minhas roupas. Hoje estou usando vermelho sexy ou azul frio, talvez branco liso. Neste caso, o que você vê é “exatamente” o que você obtém. Minhas impressões são eu.

CH – Sobre o que é a sua arte?

YS – Quero que [minha arte] não se manifeste; quero que [ela faça] as pessoas se manifestarem. Quero que mova as pessoas e as sacuda inconscientemente e conscientemente. Se houvesse algo que minha arte expressaria, então seria a natureza humana (minhas experiências são as mesmas que as suas). Acabei de encontrar minha própria linguagem.

Foto: Khaled Youssef.

CH – O que te inspira?

YS – Muitas pessoas incríveis. Meu número um por agora seria Mark Rothko. Então Antoni Tàpies, Jean-Michel Basquiat, Francis Bacon, Yves Klein, Picasso, Monet, Gerhard Richter, Carl Jung, Sigmund Freud, Milan Kundera, Franz Kafka, Radiohead, Janis Joplin… Inspiração está em toda parte!

CH – O conflito na Síria, que está acontecendo há alguns anos, teve um impacto sobre o elemento central da sua arte? O que mudou?

YS – Eu não posso realmente saber sobre isso, já que minha experiência artística floresceu no meio da guerra. Pergunto-me quão diferente minhas experiências teriam sido se a guerra não tivesse acontecido, como eu teria me tornado [uma pessoa] diferente.

Foto: Khaled Youssef.

CH – Se você está vivendo fora da Síria, o lugar em que você está vivendo mudou sua arte?

YS – Absolutamente, eu acho que cada lugar deixará suas impressões. Cada nova cidade é uma nova experiência. Amsterdã, por exemplo, me fez realmente consciente da crise global do capitalismo ocidental e europeu. Na Síria a minha única preocupação era sobre questões de vida diária, e nos últimos 5 anos sobre como evitar mísseis. No entanto, Amsterdã tem o seu próprio encanto. Eu não posso esperar para visitar novos países e ver as melhorias e mudanças que terá no meu trabalho.

CH – Quais são as suas esperanças e sonhos para si mesmo como artista e, especialmente, como uma artista síria?

YS – Como artista o meu único desejo é me tornar uma artista em tempo integral; parece muito simples, mas precisa de muito trabalho duro e concentração. Como artista síria, quero contar a minha história, a história do meu país, as histórias dos meus amigos de forma esclarecida ao mundo inteiro.

Talvez então os povos do mundo poderiam sentir o horrível do que está acontecendo na Síria agora e o impacto deletério que tem na vida das pessoas. Talvez então o mundo compreenderia como seres humanos desumanos realmente são, e quão pernicioso e perigoso é o ambiente digital de mídia social e realidade virtual em que vivemos atualmente.

Foto: Khaled Youssef.

 


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 25 Diana Al-Hadid

Nascida em 1981, Diana Al-Hadid é uma artista síria baseada em Brooklyn, EUA. Misturando referências socioculturais de seu plano de fundo ocidental e oriental, ela explora seu fascínio com os pintores renascentistas e os aspectos formativos de sua prática.

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Synonym (Foto: Isabel Asha Penzlien)

Hadid usa polímero, ceras, fibra de vidro, aço, gesso e outros materiais industriais para criar esculturas e instalações que aparecem em ruínas ou em processo de dissolução. Um grande número de seus trabalhos centram-se em torno da imagem, forma e conceito de torre e suas várias associações: poder, riqueza, desenvolvimento tecnológico e urbano, ideias de progresso e globalismo.

Nolli’s Orders (Foto: Dennis Harvey)

Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 18 Laila Shawa

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Laila Shawa.

Nascida em Gaza em 1940, Laila Shawa é uma artista palestina. Seu trabalho abrange escultura, fotografia, pintura e litografia. Em 1960, ela viajou à Itália para estudar Artes Plásticas, retornando em 1965 para ensinar artes para crianças carentes.

Como artista palestina, a preocupação de Shawa é refletir as realidades políticas de seu país, tornando-se, no processo, uma cronista de eventos. Suas peças são baseadas em um maior senso de realismo, alvejando a injustiça e perseguição de seu povo.

O ímpeto inicial para uma peça vem frequentemente de suas próprias fotografias, que são transformadas mais tarde por meio de técnicas de serigrafia. A palavra escrita está muito presente em seu trabalho, como na série aclamada Walls of Gaza (1994), que se concentrou nas mensagens de esperança e resistência pintadas em spray pelo povo comum de Gaza sobre as muralhas de sua cidade, em desafio à censura israelense.

Sua série Disposable Bodies, que fazia parte de uma coleção maior, The Other Side of Paradise, foi sua resposta aos relatos de que as mulheres palestinas suicidas tinham sido marcadas pela sociedade como supostas transgressoras e estavam realizando missões suicidas a fim de se reformular como “mártires” e restaurar a honra da família.

Em The Other Side of Paradise, eu exploro as motivações por trás da shahida – o termo árabe para “mulher-bomba” – uma questão que poucas pessoas provavelmente escolheriam considerar. O núcleo do modelo shahida gira em torno de uma confusão preocupante de erotização e armamento. Nesta instalação, procurei atribuir a cada aspirante uma identidade e totalidade, que de outra forma seriam negados nos relatos de jornalistas rotineiramente horríveis de mulheres suicidas em Gaza. – Laila Shawa.


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | # 10 Sara Shamma

Sara Shamma.

Nascida na Síria em 1975, Sara Shamma começou a pintar aos quatro anos de idade. Filha de pai sírio e mãe libanesa, cresceu em uma família de intelectuais, que incentivou seu amor pela pintura.

De 1982 a 1985, Shamma frequentou cursos de desenho para crianças em Adham Ismaiil Fine Arts Institute. Aos 14 anos, ela decidiu que seria pintora. Formou-se em 1998 no Departamento de Pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Damasco.

Após sua graduação, Shamma participou de uma série de exposições individuais e coletivas.

Shamma foi convidada a se juntar à equipe de professores do Adham Ismail Fine Arts Institute em Damasco, onde lecionou por três anos a partir de 1998.

Além de sua própria prática e seu envolvimento na educação de jovens artistas, Shamma tem sido consistentemente ativa na cena de arte síria.

Ela foi membro do júri da Exposição Anual de Artistas Sírios realizada pelo Ministério da Cultura em Damasco, Síria, em 2006.

Shamma recebeu vários prêmios regionais e internacionais de arte, incluindo a medalha de ouro na bienal de Latakia (2001, Síria) e o 4º prêmio no BP Portrait Award (2006, Reino Unido).

Incognito 2 © Sara Shamma

Os trabalhos de Shamma podem ser encontrados em coleções públicas e privadas em diferentes países, incluindo: Áustria, Canadá, Equador, Egito, França, Alemanha, Japão, Jordânia, Kuwait, Líbano, Holanda, Catar, Espanha, Síria, Tunísia, Turquia, Emirados Árabes, Reino Unido e Estados Unidos da América.

Em 2010, Shamma foi convidada a se tornar a “celebridade parceira” no Programa Mundial de Alimentação da ONU. Ela criou uma pintura para eles intitulada Fighting Hunger. Impressionada e toca pelo trabalho da organização, ela continuou a apoiá-los.

Em setembro de 2016, ela se mudou para Londres, onde agora vive e trabalha.


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Série Mulheres Árabes | #2 Mona Hatoum

Mona Hatoum.
Mona Hatoum.

Nascida em 1952, Mona Hatoum é uma artista que desafia o surrealismo e o minimalismo. Em suas obras, explora os conflitos e as contradições da vida humana através de diferentes técnicas.

Hatoum não é alheia a esses conflitos. Apesar de ter nascido no Líbano, ela não se identifica como libanesa. Em entrevista à Bomb Magazine, Hatoum explica:

Embora eu tenha nascido no Líbano, minha família é palestina. E, como a maioria dos palestinos que foram exilados no Líbano depois de 1948, eles nunca conseguiram obter cartões de identidade libaneses. Era uma maneira de desanimá-los a se integrarem na situação libanesa. Em vez disso, e por razões que eu não vou entrar, minha família naturalizou-se britânica, então eu tive um passaporte britânico desde que nasci. Eu cresci em Beirute em uma família que tinha sofrido uma tremenda perda e existia com uma sensação de deslocamento.

Hatoum estudou Design Gráfico durante dois anos na Beirut University College. Em seguida, começou a trabalhar em uma agência de publicidade. Durante uma visita a Londres em 1975, a guerra civil eclodiu no Líbano e ela foi forçada ao exílio.

Entre 1975 e 1981, ela estudou na Byam Shaw School of Art e na Slade School of Fine Art. De acordo com um artigo no site da galeria britânica Tate, seus estudos coincidiram com o desenvolvimento de ideias sobre gênero e raça, e ela começou a explorar a relação entre política e indivíduo através da performance.

“Performance Still” (1985-1995), de Mona Hatoum.

No fim dos anos 1980, Hatoum começou a fazer instalações e esculturas de uma ampla gama de materiais, valendo-se frequentemente das formas geométricas para se referir a sistemas de controle dentro da sociedade.

Em 1982, ela encenou a performance Under Siege na Aspex Gallery, em Portsmouth, durante 7 horas. Ela estava nua, coberta de argila e presa dentro de uma caixa transparente. Repetidamente, tentava sair e falhava.

À medida que o dia avançava, as paredes do tanque ficaram sujas, manchadas de marcas deixadas por suas mãos e corpo enlameado. Enquanto isso, a galeria se encheu com o som de canções revolucionárias em árabe, francês e inglês, e com notícias arrebatadas do Oriente Médio.

“Under Siege”, performance de Mona Hatoum realizada em 1982, na Aspex Gallery. (Foto: J. McPherson/Galleria Continua, San Gimignano/Beijing/Le Moulin).

Em 1988, Hatoum apresentou Measures of Distance, um vídeo construído a partir de imagens de sua mãe no chuveiro da casa da família em Beirute. A escrita árabe que sobrepõe as imagens – cartas da mãe à artista – assemelha-se a uma cortina.

A trilha sonora consiste em uma conversa animada entre Hatoum e sua mãe, sobreposta pela voz de Hatoum lendo uma tradução das cartas para o inglês.

A artista acredita que a obra retrata não só a intimidade emocional da relação entre mãe e filha, como também fala de exílio, deslocamento, desorientação e uma tremenda sensação de perda como resultado da separação causada pela guerra.

Já em Incommunicado (1993), Hatoum traz uma escultura de um berço de bebê alterado. A obra tensiona o significado parental do objeto, além de servir como um lembrete da incapacidade de um bebê articular suas necessidades por qualquer outro meio que não seja um grito, que, neste cenário, presumivelmente cai em ouvidos surdos. É uma forte metáfora para a situação de muitos prisioneiros políticos, que são encarcerados e torturados em lugares onde suas vozes não podem ser ouvidas.

“Incommunicado” (1993), de Mona Hatoum.

Em Hot Spot (2009), Hatoum faz referência, a partir do título, a um lugar de agitação militar ou civil. Usando o neon vermelho para delinear os contornos dos continentes, esta escultura apresenta o globo inteiro como uma zona de perigo – o que Hatoum descreve como um “mundo continuamente apanhado em conflito e agitação”.

“Hot Spot”, de Mona Hatoum. (2009)

Entre dezembro de 2014 e março de 2015, a Estação Pinacoteca abrigou uma exposição de Hatoum. Com curadoria de Chiara Bertola, coordenação curatorial de José Augusto Ribeiro e Natasha Barzaghi Geenen, foram 30 trabalhos selecionados para a primeira mostra individual da artista na América Latina.

Exposição de Mona Hatoum na Estação Pinacoteca (2014-2015).

 


Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).

Entrevista | Ju Choma

Ju Choma.

A cenografia abrange todos os elementos responsáveis por criar uma determinada atmosfera em uma apresentação: as luzes, os sons, a disposição dos elementos… Quando em harmonia, são capazes de suscitar emoções das mais diversas e cativar o público.

No entanto, a cenografia é frequentemente privada dos holofotes. Em busca de valorizar essa forma de arte, a nossa colunista Camila Ayouch entrevistou a cenógrafa curitibana Ju Choma, 28, uma força a ser reconhecida na área. Confira o bate-papo abaixo!

Camila Ayouch – Quando e por que você optou por Arquitetura?

Juliana Choma – Eu sempre fui uma pessoa bem indecisa. Eu gosto de muitas coisas e às vezes isso é um problema quando a gente tem que se decidir. No início eu queria fazer Cinema, mas na época não existia graduação nessa área aqui em Curitiba, então não era uma opção.

Cheguei à Arquitetura porque meus pais são engenheiros civis e desde pequena eu convivi com a construção, me identificando de alguma forma. Ao mesmo tempo, eu queria algo mais artístico e, nesse sentido, a Engenharia me parecia um pouco fria – cursei um ano antes de migrar para a Arquitetura. Cheguei a cogitar Design, mas a Arquitetura pareceu um bom jeito de unir o artístico ao funcional.

CA – Como foi a transição para a cenografia?

JC – Quando cheguei à conclusão de que queria Arquitetura, já me imaginava trabalhando com paisagismo ou arquitetura de interiores, e tinha deixado de lado a ideia do audiovisual. Eu não imaginava que um arquiteto poderia ser cenógrafo, porque infelizmente pouco se fala de cenografia, mas tudo mudou no meu primeiro ano de faculdade.

Em uma aula de Introdução à Arquitetura, com o professor Antônio Castelnou Neto, ele disse que um dos ramos da Arquitetura é a Cenografia. A partir daí, fiquei pensando que eu poderia, sim, voltar a pensar no audiovisual e em outras vertentes.

Nos anos seguintes, fiquei dividida entre seguir carreira no Paisagismo ou na Cenografia. Assisti a muitas palestras, fiz vários workshops e me inscrevi na disciplina de Cenografia do curso de Produção Cênica. Afinal, para seguir em uma área que não é tão convencional a gente tem que se informar bem, não é?

Show “Minhas Digitais”, de Luciane Merlin. (Cenografia: Ju Choma | Foto: Uriel Marques)

No último ano da faculdade, eu trabalhava em um escritório de Paisagismo, mas as coisas não iam como eu imaginava. Quando saí de lá, minha chefe me forneceu o contato de dois ou três diretores de cinema, e me incentivou a mandar e-mail para eles. Sinceramente, não achei que fossem me chamar, eu não tinha experiência alguma.

Mas o Alessandro Yamada – que também é arquiteto – estava para começar a rodar um filme, e sua diretora de arte, Suzana Aragão, precisava de ajuda. Fui chamada logo para começar um longa-metragem, e amei a experiência! Agradeço muito a oportunidade que os dois me deram nesse início, porque se isso não tivesse acontecido talvez eu estivesse hoje fechada em um escritório de Arquitetura.

Depois disso foi estudar bastante. Fiz a Especialização em Cenografia da UTFPR, e muitos cursos em áreas diferentes, como iluminação, carpintaria e eventos, porque acho que o cenógrafo tem que ter uma visão muito ampla de tudo que envolve a Cenografia.

CA – Qual é a sua identidade como cenógrafa?

JC – No começo, eu queria ter alguma coisa que pudesse falar: “isso sou eu”. Parece que existe até uma exigência de que o artista tenha uma identidade que o torne único, mas depois a gente aprende que não importa muito qual é a sua assinatura, desde que o cliente fique satisfeito com o seu trabalho.

Não sei se posso chamar isso de identidade, mas procuro fazer com que cada projeto traduza o íntimo dos meus clientes. Isso faz com que os meus projetos sejam bem diferentes: posso fazer um cenário muito rústico, ou então bem minimalista; um cenário delicado, e outro completamente confuso. E não me importo muito se vão identificar que é meu ou não. Se isso traduz o cliente, se ele está feliz, eu também estou.

Talvez eu tenha algo só meu, mas não sei dizer. Me dedico muito a cada cliente, procuro entender como é a sua personalidade e traduzo isso em formas. Me disseram esses dias que o meu diferencial é que eu mesma produzo meus cenários, coloco a mão na massa. Pode ser isso, mas não sei.

Show Fran Rosas: Brilhante – Especial Elis Regina. (Cenografia: Ju Choma | Fotografia: Fabio Palombino)

CA – Quais são suas referências estéticas?

JC – Dizem que o primeiro arquiteto que você estuda na faculdade vira sua referência para a vida. Não sei se isso se aplica a todos os estudantes, mas estudei o Frank Lloyd Wright no primeiro ano e ainda hoje ele é meu arquiteto favorito. Talvez tenha sido com ele que aprendi que cada obra é destinada a seu cliente, e que você pode ter vários estilos diferentes. Como movimentos artísticos, gosto muito do minimalismo e da land art.

CA – Como você avalia a relação da cenografia com cada projeto?

JC – Vejo muita relação entre a Arquitetura e Cenografia. No fundo, o objetivo é o mesmo, o que muda é a escala e o tempo de existência da obra. Você vai querer fazer algo artístico, que cause impacto, mas ao mesmo tempo não pode deixar de ser funcional e servir ao seu propósito. A gente estuda, na Arquitetura, a tríade vitruviana: um projeto tem que ser funcional, bem estruturado e causar comoção. É isso que a gente busca na Cenografia também.

Festival Gastronômico Mia Cara Curitiba. (Cenografia: Ju Choma | Fotografia: Daniel Sorrentino)

CA – Como nasce um projeto cenográfico?

JC – Eu crio meus projetos de cenografia com a mesma metodologia que usava já na arquitetura. Primeiro tenho uma conversa inicial com o cliente, para entender o que ele precisa – geralmente, ele me dá aspectos mais funcionais e, vez ou outra, algum elemento estético que gostaria.

Depois, procuro entender como é a personalidade dele: no caso de cantores, por exemplo, procuro seus vídeos e ouço o máximo de músicas gravadas que ele tem, além de ir a ensaios, para compreender seu estilo.

Pergunto se existe uma atmosfera que ele gostaria de passar em seu show, e se ele não souber, o ensaio me ajuda a entender isso também. A partir disso, é pesquisar referências (sempre mostrando ao cliente para ver se estamos pensando da mesma forma) e desenhar muito para oferecer várias opções para ele.

CA –  Em seu portfólio vemos que você trabalha com vários artistas locais. Como fazer mais com menos?

JC – Eu gosto de trabalhar com os artistas locais, porque isso fortalece a classe e precisamos incentivar pessoas que são como nós, não é? Mas a gente tem que levar em consideração que, na maioria das vezes, são artistas em começo de carreira e não têm orçamento.

É um trabalho de colaboração: encontrar amigos que emprestem móveis, lojas que façam parcerias, reformar partes de algum cenário que eu tenha sobrando para usar no show… No final é muito gratificante ver que tudo dá certo, mesmo com o orçamento apertado. Não recuso esse tipo de trabalho, porque se a gente quer crescer temos que ajudar os outros a crescerem também.

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Festival Gastronomix. (Cenografia: Ju Choma)

CA – Qual é o projeto que você mais se orgulha? Por quê?

JC – A cada época eu tenho o meu favorito. Atualmente tenho dois que me orgulho de ter feito: o primeiro é a cenografia para o Gastronomix (2016), que é a feira gastronômica do Festival de Teatro de Curitiba. Fiquei muito feliz de ter feito e foi incrível como as pessoas gostaram do projeto. Planejei alguns elementos interativos, mas não esperava que as crianças fossem aproveitar tanto. No fim, elas até inventaram interação onde eu não esperava, e esse é o aspecto que mais gosto na cenografia: a reação a ela ser imprevisível.

O segundo trabalho que gostaria de citar é o show do Ravi Brasileiro, no Teatro Paiol, em que assinei a direção de arte. Foi um desses projetos com um artista local, de baixo orçamento, mas que deu muito certo: conseguimos algumas parcerias, muita coisa foi feita por nós mesmos, e o resultado foi um show lindo.

(Show Ravi Brasileiro: Cortinas Abertas (Cenografia: Ju Choma | Foto: Brasileiro Produções

CA – Você tem alguma dica para quem quer trabalhar com cenografia?

JC – Não se preocupe tanto em estudar a cenografia em si. Estude história do teatro; estude cinema. Teoria da cor, da forma. Estude luz; materiais. No final, a cenografia é composta de tudo isso. E quanto mais a gente estuda cada elemento separadamente, mais fácil é criar os cenários.

CA – Indique algo para nossos leitores.

JC – Um filme: O Grande Hotel Budapeste.
Um artista: Bruce Munro.
Uma cenografia: a de Daniela Thomas para Avenida Dropsie (2005).
Um lugar: Jardim Botânico de São Paulo.

Ficou a fim de conhecer mais o trabalho da Ju Choma? Dá uma olhada nos links abaixo.

Site: www.juchoma.com

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