* Este artigo é uma tradução livre da publicação feita no Creative Havens: Syrian Artists and Their Studios. Para acessar a publicação original, em inglês, clique aqui. (Fotos por: http://www.thomas-langens.de/)
Layali Alawad é uma jovem artista síria, formada em Técnicas Gráficas e Impressão pela faculdade de Belas Artes da Universidade de Damasco. Nascida em Aachen, na Alemanha, mudou-se com sua família para Damasco e, depois de alguns anos, voltou à Aachen, onde vive atualmente.
Creative Havens – Qual é a sua relação com o seu estúdio? O que ele representa para você? Como você se sente quando está lá?
LA – Enquanto o estúdio do artista é necessariamente um espaço no qual ele pode trabalhar e pensar, é também o seu próprio paraíso criativo. Para mim, meu estúdio é como um microcosmo próprio, aqui há outras regras, outras condições, outras prioridades.
As pessoas podem pensar que ele [o estúdio] é desorganizado ou mesmo confuso, mas eu vejo essa desorganização como um compromisso bastante dinâmico, gradual e progressivo: toda mudança significa desorganização do velho e organização do novo.
Assim, no meu pequeno estúdio de arte, um pequeno caos é a evidência da criatividade. Conta a história das lições aprendidas na exploração, da experiência adquirida e das emoções expressas.
CH – O layout, a organização e a localização do seu estúdio têm influência na criação das suas obras? Que papel esse espaço, tempo e solidão têm em seu trabalho?
LA – No passado, como eu ainda estava vivendo na Síria meu estúdio de arte foi fixado no porão da minha casa. Para mim, esta era obviamente uma situação ideal, já que meu estúdio era também o lugar onde eu estava acostumado a receber meus amigos e ensinar aulas particulares de arte para as crianças.
Hoje, já que estou vivendo na Alemanha, meu estúdio funciona como uma sala de estar. Pode ser um estúdio menos espaçoso e confortável do que aquele que eu tinha na Síria, mas como agora sou capaz de experimentar uma sensação de segurança, privacidade e liberdade na minha arte, não posso pensar em alternativa melhor neste momento.
CH – Você ouve música em seu estúdio? Você trabalha melhor com alguma música tocando ou necessita de silêncio completo quando está em seu ápice criativo?
LA – Eu sempre ouço música enquanto trabalho. A música deixa minha mente livre de distrações e torna meu fluxo de trabalho muito mais suave. Acredito que a música se torna parte da minha obra de arte; isso me ajuda a expressar minhas emoções e traduzir meus sentimentos em linhas e cores mais fáceis. Pessoalmente, eu realmente prefiro música oriental.
CH – Quais são suas práticas artísticas e seu processo de trabalho? Você planeja?
LA – Basicamente eu sempre planejo e desenhe esboços pequenos em fases anteriores, mas assim que eu começo com o processo de pintura, eu acedo para um mundo novo. Eu esqueço tudo sobre meus esboços e meu planejamento e eu crio um tipo completamente diferente de arte.
CH – Sobre o que é a sua arte?
LA – Para mim, [a] arte é toda sobre emoções e é uma forma de nutrição da consciência e do espírito. Em cada pintura está toda uma vida presa, toda uma vida de medos, dúvidas, esperanças e alegrias. Assim, especialmente agora, durante a guerra furiosa, traduzir esses diferentes níveis emocionais e espirituais em seu trabalho é a vocação de um artista, e harmonizar o todo é tarefa de arte.
Eu gostaria de ser capaz de testemunhar no meu trabalho o que os diferentes seres humanos são obrigados a percorrer durante tempos de guerra. Estou feliz por minha arte tocar pessoas, como eu tento expressar tristeza humana sobre os rostos que eu pinto.
CH – Ser artista é um trabalho difícil. Você tem algumas dúvidas e grandes lutas/esforços?
LA – Nenhum artista nunca está completamente satisfeito com seu trabalho. [A] auto-dúvida é um pouco uma necessidade para um artista dar o melhor de seu talento e desenvolver suas habilidades. Meu trabalho nunca é tão bom como eu imaginei que seria. Eu sempre vou gostar de algumas obras mais do que outras, mas acho que evitar a auto-dúvida e luta é apenas uma miragem que iria me impedir de seguir em frente.
CH – Você alguma vez se arrependeu de ter se tornado artista? De onde sua energia vem?
LA – Eu nunca lamentarei ser um artista! A arte é vida para mim. Eu nem consigo me imaginar sem pinturas e cores ao meu redor. A energia criativa está aqui em mim constantemente, mas o entusiasmo e o grau de energia dependem de toda uma gama de influências internas e externas, como por exemplo, as minhas condições psicológicas e, por vezes, o tempo.
CH – O que te inspira?
LA – Os seres humanos e a sociedade são a minha inspiração. Qualquer emoção humana ou situações de vida pode ser uma fonte para a minha arte.
CH – Quanta satisfação você recebe em resposta ao seu trabalho?
LA – Eu me sinto satisfeita o suficiente com o meu trabalho, mas ainda desejo manter o foco e continuar progredindo.
A satisfação é uma recompensa, mas a perfeição é uma ilusão. Eu penso em cada obra que eu crio como um degrau em uma jornada muito mais longa. Eu nunca vou chegar ao próximo estágio de desenvolvimento como um artista, a menos que eu esteja disposta a deixar uma obra de arte de lado e passar para a próxima.
Em algum momento, eu tenho que deixá-la ir e seguir em frente. Eu tenho que aceitar o fato de que mesmo os maiores autores, compositores, músicos e artistas ainda estavam insatisfeitos com suas obras-primas de alguma forma.
CH – O conflito na Síria, que está acontecendo há alguns anos, teve um impacto sobre o elemento central da sua arte? O que mudou?
LA – Obviamente. Antes de ser uma artista, eu sou um ser humano. A maioria das minhas obras de arte foram criadas no meio da guerra. Se a minha arte está cheia de profunda tristeza, é porque expressa o sofrimento do meu povo.
CH – Se você está vivendo fora da Síria, o lugar em que você está vivendo mudou sua arte?
LA – Atualmente, eu vivo na Alemanha. Obviamente, o ambiente e a sociedade, em que vivo agora, desempenham um papel importante no meu humor artístico.
Posso ver uma clara diferença no meu trabalho. Minhas pinturas na Síria tinham as marcas dos valores e tradições da família, já que na sociedade oriental a família é uma entidade muito predominante. Na Síria, estávamos acostumados a estar rodeados por muitas pessoas, o que às vezes era até mesmo difícil de lidar, e nos dava poucas chances de nos sentirmos independentes.
Enquanto na Alemanha há uma espécie de individualismo básico e independência que me inspirou na minha arte. Meu último trabalho é intitulado “Ícones Sírios”, mas paradoxalmente é inspirado pela independência dos europeus e seu modo de vida individual.
CH – Quais são as suas esperanças e sonhos para si mesmo como artista e, especialmente, como uma artista síria?
LA – Minha esperança como ser humano é que a guerra chegue ao fim e as pessoas deixem de sofrer. Meu desejo como artista é ver minha arte alcançar o coração das pessoas em toda parte e ser reconhecida internacionalmente.
Meu sonho como síria é que a sociedade árabe entenda e aprecie a importância da arte em nosso mundo, que reconheça seu verdadeiro valor e comece a introduzir a educação artística como parte integrante do sistema educacional escolar.
Este artigo faz parte da Série Mulheres Árabes, publicações diárias durante o mês de março, com o intuito de contribuir com a visibilidade das diferentes narrativas protagonizadas por mulheres árabes. O projeto é de autoria de Camila Ayouch, colunista do Regra dos Terços e estudante de Letras Português-Árabe na Universidade de São Paulo (USP).